Ao me deparar com o filme Extraordinário que trata dos dramas sofridos por uma família que teve um filho com deficiência, me senti o próprio protagonista daquela história. Apesar da diferença no tipo de deficiência abordado na história do cinema, tudo se encaixava com a minha vida real. Desafios para encarar o período escolar, aceitação entre os colegas e o convívio social, me fizeram embarcar nessa história que certamente não é só minha e que muitos se identificaram com as mesmas lembranças encaradas “Com Novo Olhar”.
Nos tempos de criança eu não era dos mais bonitos, andava com óculos e aparelhos dos mais diversos formatos e tamanhos, com o objetivo de entender as aulas, compreender o que o professor transmitia através das atividades desenvolvidas em sala. Lupas, livros ampliados e desengonçados que mais pareciam de uma criança gigante, escritos em fonte 26 que era a melhor para a minha necessidade.
Nada de extraordinário para uma criança que precisava se adaptar à sua condição de baixa visão e que pertencia a uma família que enxergava de longe as minhas necessidades de desenvolvimento escolar, inclusão e cidadania, por meio da cultura. Esbarrando com frequência em colegas, tornava o meu deslocamento no interior da escola algo que fazia todos se afastarem de forma preventiva. As aulas de educação física, eu não participava, ficava sentado esperando seu término. O professor tinha medo que eu me machucasse e achava melhor me excluir. É sempre desta forma, melhor excluir que se dar ao trabalho de adaptar e incluir.
Recordo-me por diversas vezes, os momentos em que passei despercebido entre colegas, ciclos de amizades, grupos de alunos ou mesmo professores. Ficava isolado no recreio, sem fazer parte das brincadeiras e paqueras que acontecia entre alunos. Sentia-me um patinho feio e desolado. As lupas e lentes de ampliação eram motivo de curiosidade, fato comum para crianças e adolescentes que não estavam acostumados com aquela parafernália.
Tal como relata o filme, me vi protagonista da minha história, quando meus pais depositavam seus tempos e atenções para minimizar minhas dores e sofrimentos e minha irmã que tinha três anos a menos que eu, sentia-se desfavorecida e menos acolhida, já que eu necessitava de toda atenção deles. Assim, viviam os quatro membros da família em busca de soluções para a minha vida. Há quase trinta anos atrás, não existia o suporte técnico para pessoas com deficiência que existe hoje. A família era o único meio de estimular o meu desenvolvimento enquanto cidadão ou não, eles optaram pelo sim.
Assim como no filme, eu tinha um talento que superava os outros à época: tocava um instrumento. Foi por essa via que conquistei alguns bons e verdadeiros amigos que me fizeram ver a vida por um ângulo menos obscuro e mais feliz. As crianças com alguma deficiência sofrem uma extrema solidão, ficam apenas restritas a companhia de seus pais, os parentes geralmente os abandonam devido as suas diferenças.
O que ficou de extraordinário mesmo em confrontar o filme com a minha realidade, foi o fato de que tanto o personagem do filme como a minha história de vida, foram marcados por momentos de muitas descobertas, que nos fizeram crescer conscientes de que na vida nada é para sempre, nem mesmo nossas dores. Tal qual o ator desta bela e tão realista história de vida, chegamos a um estágio de desenvolvimento na vida, onde as barreiras só nos servem para que possamos transpor, superar, derrubar e nunca para nos impedir de fazer, realizar, sonhar e viver intensamente a nossa condição de pessoa extraordinariamente especiais.
Quando a escola recebe a pessoa com deficiência, se adapta e capacita seus professores, ela agrega muito mais ao corpo discente e docente. Não só por cumprir a Lei Brasileira de Inclusão, mas na aproximação entre pessoas com deficiência e sem deficiência, provocando assim a sociedade a compreender e respeitar as diferenças, conviver de forma normal e sem preconceitos com a diversidade humana.
Por que todo administrador deveria assistir o filme Extraordinário?